Para acabar com o aborrecimento
Estamos aborrecidos ou estamos tristes?
"Para acabar com o aborrecimento
Vamos fazer um simples movimento.
Para acabar com o aborrecimento
Vamos fazer um simples movimento.
- com a mão,
- com a mão, com a outra.
- com a mão, com a outra, com o pé..."
e vamos adicionando outras partes do corpo
O dia pode começar assim. Mas aborrecimento é diferente de tristeza.
Depois podemos procurar a história adequada, a conversa apropriada e continuamos ...
A noite, a lua e os meninos tristes
Crianças tristes, aborrecidas, fatigadas, mal-dispostas, impertinentes ... crianças que temos, observamos, escutamos, constatamos e o que fazemos?
Tristeza que anda por aqui
Tristeza que se entranha
Tristeza minha, tristeza tua
Tanta e tamanha
Tal é a imensidão
De quem a apanha
G.Gil, 2010
Criança-triste
Como resumo de todos estes tristes apontamentos, há também criança-triste: não se refere à tristeza de um brinquedo quebrado, de uma palmada ou reprimenda recebida, ou mesmo à perda de um ente querido. No Brasil há um tipo de criança que não fica apenas triste, mas nasce e vive triste ? o seu primeiro choro parece mais um lamento pelo futuro que ainda não pode prever do que o primeiro ar que recebe nos seus diminutos pulmões.
Criança-triste, substantivo e não adjectivo, como um estado permanente de vida: esta talvez seja a maior das vergonhas do vocabulário da realidade social brasileira. Outra das grandes vergonhas da realidade política é a falta de tristeza no coração das nossas autoridades perante a tristeza das crianças brasileiras, com as subtis diversidades reflectidas no vocabulário com que as catalogam.
A sociedade brasileira, na sua maldita segregação, foi obrigada a criar palavras que distinguem as criança conforme a sua classe, a sua função, a sua casta, o seu crime. A cultura brasileira, medida pela riqueza do seu vocabulário, enriqueceu perversamente ao aumentar as palavras para denominar criança. Um dia, esta cultura vai enriquecer-se ao criar nomes para os presidentes, governadores, perfeitos, políticos em geral que não sofrem, não ficam tristes, não percebem a vergonhosa tragédia do nosso vocabulário.
Quem sabe se não será preciso que um dia chegue ao governo uma das crianças-tristes de hoje, para que o Brasil torne arcaicas as palavras que hoje enriquecem o triste vocabulário brasileiro e construa um diccionário onde criança... seja apenas criança.